O meu avô vivia da papelaria.
Atravessou a vida praticamente em silêncio e nos poucos intervalos de que dispunha, tal como eu, agarrava na máquina fotográfica e desaparecia. Ninguém sabia onde estaria, nem mesmo depois de verem as fotografias alinhadas no albúm, por datas e locais.
Na altura não sabíamos para que serviam, eram apenas fotografias.
Hoje percebo-o como ninguém.
Quando daqui a uns anos encontrarem no meu baú - sim, tenho um baú - a minha herança, aquela que guardo no conforto suave de um esconderijo, talvez percebam do que falo.
Hoje, ainda não posso falar com aquele silêncio com que nos entendíamos e o que me comove nas fotos que deixaste, é a possibilidade de te/me conhecer.
O quase poder tocar naquele tempo.
Ensinaste-me a VER. Deixaste-me este gosto de herança e o que eu deixo é só para quem quiser ver. Gosto de sentir esta "bagagem", este "recortar" o tempo e ir a sítios que quero ainda levar comigo. A fotografia dá-me igualmente a sensação de esperar do momento o que sabemos que Outros nunca nos darão, o estender o instante sem saber o que virá.
Escrevo isto porque estou a olhar para as tuas fotografias. Em silêncio. Como gostas.
Não sei o que pensas que deixaste.
Sei que trago o teu nome comigo
e só o entrego
a quem provar pertencer-lhe.
2 comentários:
. (tentativa de comentário silensioso)
O silêncio (também) reconforta, quando cúmplice.
Enviar um comentário