segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Dias de Outros

Guarda-a ainda na memória.
Cansado, atirou a roupa por ordem arbitrária para a cadeira vazia encostada à secretaria.
Os seus desejos reduziam-se a uma noite bem dormida.
Puxou o estore para assegurar que a luz da manhã não o perturbava.
Contudo, deixou uma frincha por cerrar.
Como se aquela ponta de luz, fosse a garantia
de que iria acordar no dia seguinte.

sábado, 26 de fevereiro de 2011









São os olhos que vêem a imagem.
A objectiva só a guarda,
por mais tempo que o olhar.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Rosto sem Tempo

Todos os dias procuras o que não pudeste encontrar até hoje.
Aceita o conselho,
Não é aquilo que se perde que te falta.

Repara nas sombras, nos gestos, nas memórias, nas rugas de expressão e dá-lhes vida.
Cerra os olhos para reconheceres o que se encontra ao teu lado, porque efectivamente, o tempo passa... e tempo é sorte.
Repara finalmente no teu rosto, hás-de surpreendê-lo.
Aproxima-te,
porque ele nem sequer te vê.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

(In)solúvel

Nada tem uma solução definitiva
e não há nada que não tenha
algum tipo de solução provisória.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

...

Consta que há um banco em frente ao mar
que ainda murmura histórias contadas quase ao ouvido.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

The Cinematic Orchestra - To Build a Home

Can you trust?

Noite dentro...
Sigo em frente com o batuque surdo do house, que aos poucos se fecha sobre mim como água destilada.
Muitos usam óculos escuros para enganar a noite pelo dia, outros expõem as pupilas dilatadas.
Por um instante, divirto-me com a ideia de que sou irremediavelmente observadora e anacrónica.
Sigo para o bar. Encontro quem já não se via há meses e o cumprimento surge com um acenar de cabeça. Diz-se, um acto civilizado.
Leve... prestes a flutuar num ar consumido de gente, enquanto a letra da música grita: "Can you trust yourself?"

Alguém ergue o copo, olha o relógio, a porta.
Brinda-se a tudo e a todos.
"Can you trust yourself?"
Danço a despeito de mim mesma, giro na cadência das batidas e a cabeça aérea corre à velocidade da luz. O corpo movimenta-se sem comando, sem vontade própria e procuro o rosto.
Os olhos fixos nos meus - aquele rosto sem idade, qualquer coisa entre os 30 e os 40.
Corro os olhos em volta. Fecho-os. Sinto a letra:
"Can you trust yourself?" - e saio.

Entro umas horas mais tarde em casa. Sento-me no cansaço do corpo dormente e escrevo no papel que tenho mais à mão:
O que Sou,
é o Lugar mais seguro que conheço.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Gente da minha Terra

08h10 min.

Faz frio.
As extremidades geladas nas ruas desta manhã.
Faltavam 20 minutos para iniciar consultas e resolvo antecipar a rotina costumeira que me apraz.
Entro na frutaria e a Dª Maria lá está, Mulher carrancuda que não dá folga à frieza mas que ainda assim, de lés em lés, esboça um sorriso quando me meto com ela.
Ao percorrer o corredor surge a filha - visto ser um negócio de família - avança na minha direcção:
"Já tenho ali a sua fruta separada. Hoje as papaias estão como gosta e a salsa vai inteira!"
2ª Paragem: Mercado
"Bom dia menina, hoje veio mais cedo! Já tenho aqui as suas pevides mas hoje mais caras 0,25€. Isto a vida está pela hora da morte!..."
Entro na conversa, pergunto-lhe como passam os dias por ela, começando as queixas de todas as maleitas do corpo e da alma. Pago. Deixo o sorriso de troco e saio.
3ª Paragem: Quase a chegar
Ao subir a rua íngreme surge à porta da Drogaria o Sr. António - dono desde sempre, tal como curioso: "Bom dia menina, esta semana também veio para estes lados!?... mais trabalhinho não é? que tenha muita sorte e saudinha!"
Deixo mais um sorriso pendurado e retomo a subida.
Quase a chegar...
"Minha querida olhe o que eu tenho aqui! Hoje as Margaridas estão abertas e frescas como gosta! Leve agora esta para começar bem o dia!"
4ª Paragem: Consultório
Abro a porta e os cumprimentos prolongam-se.
Dirijo-me à sala, sento-me, pouso tudo o que merece repouso e o sorriso que deixei "pendurado" lá fora volta ao remetente e nesse momento, tudo o que sinto é que me soube pela vida,
o sentir-me em casa
neste lugar onde todos se conhecem.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Swan


A saudade de sentir o corpo sair de mim,
numa plasticidade leve
de membros em êxtase.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Anamnese

Viver no passado, para quem não tem esse hábito,
é um dos sintomas de irrefutável envelhecimento
e nas artes, sinal de propensão para a mais que certa decadência.
É claro que, como tudo, há excepções.
Mas ainda assim, abreviando as excepções - culpa nossa por certo - fixados que estamos numa imagem do que tivemos ou do que fomos,
não vivemos DE memórias mas PARA elas.
Em suma,
um Hoje parado
por culpa de um Ontem
que impede um Amanhã.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Musicalidade

Hoje ouviu-se a música preferida da mão,
um afecto
uma palavra
um Gostar sempre cheio
que embora maltratado,
esquecido
embrulhado na noite
é quente e exuberante,
por vezes disperso ou até mesmo distante.
Mas sempre cheio.

domingo, 6 de fevereiro de 2011


À Flor da Pele

Deram-me o lado quente da casa para morar.

Balbucio um som inaudível e por vezes,
por vezes ao amanhecer ainda penso nessa confusão silenciosa do Gostar.
Pertence-me este rosto sobre o rosto
que se move no espelho da minha idade.
Pertencem-me, estas mãos,
estes dedos que percorrem o vidro que quebra a respiração da manhã...
o exíguo corpo das palavras onde esqueço a voz
e me reconheço
no sentir do poema a latejar.