Fica a voz

Primeiro os dedos, finos, transparentes.
O rosto isolado com a cor irreal que a verdade possui.
Os ouvidos que não me ouvem.
Rodeado de olhares que recusam procurar-se, há palavras que nunca serão ditas.
Fica a voz, agarrada às paredes, embutida nos objectos.
Fica a escrita, a caligrafia, as fotografias.
Fica o vazio de uma sala vazia, de uma notícia dada pelo telefone.
A Vida...
A Vida acaba quando queremos falar com Alguém, ouvir a sua voz,
e isso for, para sempre,
impossível.

(hoje adaptado, de uma outra voz)

Bancos de jardim

...imagino um qualquer banco de jardim,
deito o olhar sobre ele,
deixo-o pernoitar
indagando as histórias que têm a segredar.
...bancos de jardim...
tão estáticos e intemporais,
relembrando molduras
e albergando histórias cuja aparência pode iludir.

Compressas

Curiosas,
estas compressas que se usam
para estancar a frieza.
Salvar o amanhã,
guardá-lo para depois
quando afinal apenas o adiamos.
As palavras, essas lutam entre si,
atropelam-se velozes para arrancar as evidências.
E são tantas,
são tantas as palavras
que chego a esquecer que a boca,
nestas coisas
é muda
e só vê para dentro.

Contorno

De todas as vezes contornamos um adeus.
Negamos os segundos finais ao tempo,
adiamos um beijo de partida.
Damos ao gesto o gosto
e ao gosto o desgosto
de uma despedida.
E de todas,
todas as vezes,
atrasamos o tardar.

Manhã

A manhã a cambalear nos rostos
onde ainda se deitam as noites insones.

...

Há fotografias
que apenas se querem guardadas
na retina do olhar.

Corpo

De manhã doía-me o corpo
mas o corpo já não interessava.
E se eu dissesse agora uma palavra,
sei que a minha voz seria feita de ferro.

Meandros

Os meandros das ruas são como algumas Pessoas...
imperceptíveis até ao virar da esquina.

O Tempo...

O Tempo é talvez o mais fiel aliado,
é a estrutura sólida capaz de dar forma às nossas dúvidas,
de modo a que se tornem
também
as dúvidas de Outros.